sábado, 3 de novembro de 2012

Indigo Prophecy (Fahrenheit) PS2

Sei que você deve ter lido o PS2 no título do post e pensado: "Po#$%a, Lacerda, eu venho nessa bosta de site só pra ler sobre games antigos, que merda é essa de Playstation 2 agora?" 
Relaxa, champz. Toma uns remedinho ae. E segue meu raciocínio, vale muito a pena.

Lucas Kane está sentado na cabine de um banheiro público. Com uma faca, faz marcas em seus braços, embora não pareça se dar conta disso. Com os olhos muito abertos, as retinas desaparecendo nas órbitas, Lucas Kane está numa espécie de transe, não domina sua ações.
Do outro lado de sua porta fechada, um senhor deixa o mictório e se encaminha para a pia. Entretido em sua atividade, parece não notar que um homem ensandecido se aproxima, lâmina erguida. Tarde demais, ele olha para trás. Três golpes certeiros, ao redor do coração. Rompendo precisamente algumas artérias.

Lucas Kane desperta de seu estado de inconsciência para descobrir que há uma faca ensangüentada em sua mão e um corpo sem vida a seus pés. Acabou de matar um homem e nem ao menos sabia como. Está no banheiro de uma lanchonete e o policial que tomava calmamente seu café no balcão pode entrar no banheiro a qualquer momento.
 O que fazer?

Deste modo começa Indigo Prophecy. Começa fodendo com você e te colocando numa situação tensa, sem nem ao menos te ensinar a jogar. Tutoriais? isso é coisa de maricas jogadores de Nintendo Wii. Aqui, o jogador tem tantas informações quanto o protagonista, e descobrir a razão pela qual Lucas cometeu este assassinato é a Rosebud deste "Cidadão Kane". Peço perdão pelo trocadilho infame.  O nome do personagem, remetendo a um dos maiores clássicos cinematográficos, percebe-se logo, não é apenas coincidência; Indigo Prophecy se propõe a ser uma espécie de filme interativo, que vai se desenvolvendo de acordo com as ações do jogador. Isso é bacana, Uma proposta inovadora (ao menos nos idos de 2005, quando foi lançado) que envolve o jogador nos mais mínimos detalhes. Coisa que hoje é ainda utilizado (e muito bem) no jogo do The Walking Dead, que evoluiu o conceito de Point & Click a um patamar magnífico.
Como todo bom filme, o foco não está o tempo todo no protagonista, é preciso desenvolver as demais personagens. Desta forma, ao final de cada ato é possível escolher controlar outras personagens; curiosamente, os policiais que estão à caça de Kane. Se você simpatizou com o protagonista e pretende sabotar as investigações, um aviso: Muito cuidado. Tudo o que você
faz (ou deixa de fazer) em Indigo Prophecy tem sérias conseqüências (e levar um “Game Over” na cara, neste jogo, é mais fácil que empinar pipa na colina dos TeleTubies). Portanto, pensando na proposta de se criar um filme interativo, o melhor a fazer é desempenhar bem seus papéis: Como Lucas, investigar o que aconteceu com você e ficar longe das vistas da polícia; como os detetives, vasculhar cada canto em busca de provas. Assim você segue jogando contra você mesmo.
Neste jogo de gato e rato, é fundamental ficar de olho nas emoções de seus atores: Mesmo estando imersos no intrincado caso de assassinato, as figuras principais deste drama têm vidas próprias e é necessário cuidar de todos seus aspectos. Isso é até meio chato, quando você está imerso na história e o jogo te obriga a interagir numa discussão entre o policial e a namorada dele.  Agüentar a pressão de um dia no escritório, as brigas com a namorada em casa, um joguinho amistoso de basquete… todos detalhes que influem no estado de espírito das pessoas. Certo que o jogo assim é bastante humanizado e tem  a clara intensão de criar uma relação de cumplicidade do jogador com os personagens, mas chega uma hora que essa merda começa a incomodar. Embora isso não chegue a atrapalhar o jogo. 
Todos vivem uma situação de constante estresse durante o jogo, evidenciado por um marcador de saúde mental, que deve ser mantido saudável para evitar crises de pânico e até suicídios potenciais. A coisa apertou? Volta pro seu apartamento, bota uma musiquinha, toma um vinho e beije a namorada. Sua mente e corpo agradecem e logo você está pronto para continuar a cansativa rotina.
Só acho que esses marcadores deviam ser mais afetivos. Essa "perda de sanidade" não é algo tão eficaz como nós vimos aqui mesmo na matéria sobre CALL OF CTHULLU. Nem de longe.

Em uma das cenas você faz parte de um interrogatório, quando você (investigador) está chegando perto de você (assassino). E sabe o que acontece? Você é obrigado a jogar lance a lance contra você mesmo.

Os controles são um detalhe à parte em Indigo Prophecy. Nisso eles mandaram super bem. A visão prioritária é a terceira pessoa, mas os comandos são levemente diferentes do usual para o gênero. Ações constantes, como abrir o armário do banheiro para pegar um remédio, por exemplo, são detalhadas; não basta apertar um botão e está feito. É preciso fazer movimentos específicos com o L3. Nos momentos de esforço físico ou ação intensa, iniciam-se minigames (coisa pouco comum até sua popularização em God of War, no mesmo ano). Estes minigames, algo parecido com o Guitar Hero ou, mais raiz ainda, o saudoso Genius, consistem geralmente em apertar botões de cores específicas no momento apropriado, e o insucesso nesta empreitada pode ter conseqüências desastrosas. Chega a ser mesmo frustrante em alguns momentos, para não falar no cansaço físico que proporciona ao jogador, mas, dentro da atmosfera de tensão do jogo, casa muito bem. Voce fica tão eufórico ou tenso quanto o Lucas.
Ah, e o clima cinematográfico do jogo? Perfeitao e inovador. Desde poder controlar ângulos específicos de câmera, para facilitar a visão (em alguns momentos pode ser bastante complexo se entender com esses ângulos), até a possibilidade de escolher os diálogos de todas as personagens envolvidas numa cena, para conduzir a história para onde se quer, tudo é fantástico. Indigo Prophecy, mais do que um jogo, é uma salada de referências culturais, construindo uma aura de mistério e suspense, com toques sobrenaturais como poucos jogos conseguiram fazer até 2005… e depois também. Quer literatura? Então tome Nietzsche e trechos de “A Tempestade” de Sheakspeare. Quer cultura pop? A paixão pelos videogames está implícita em tudo, nas falas das personagens até nas discussões politizadas (que podem ser acompanhadas pela TV ou internet) sobre como os americanos gostam de culpar os jogos pela violência nas escolas e, curiosamente, não acham estranho um adolescente poder comprar armas livremente pelos mercados. Quer cinema? Bom, se não bastar o filme em si que é o jogo, o apartamento de Carla Valenti, a detetive encarregada do caso, é repleto de cartazes fictícios de cinema, incluindo o grande “Cidadão Cage”; na internet (os personagens acessam a internet dentro do jogo), é possível ler notícias sobre a épica adaptação cinematográfica de uma obra de literatura de fantasia, levada às telonas em uma trilogia pelo diretor Jack Peterson. Suspense/terror? Bom, lá estão também o corvo de Allan Poe e a sinistra – porém sábia – velhinha cega. Está bom? Qualquer coisa, pegue sua guitarra e toque um pouco de Bossa Nova. Ou blues. Eu passei boa parte do tempo no game fazendo isso, até decidir (ou descobrir) o que fazer em seguida.

Quanto aos gráficos, do que se pode esperar de um jogo destes moldes na época, está tudo muito bom. À exemplo do já clássico Max Payne (na época em que ele não parecia um John McLaine na Terceira Idade e nao saía atirando em favelado em São Paulo), a neve cobre boa parte da cidade nas “tomadas externas”. Aí estão dois coelhos mortos com o mesmo Hadouken: A imensidão branca combina com o clima de melancolia nessas cenas, ao mesmo tempo em que nivela-se por baixo os detalhes, mantendo a coisa funcionando bem e rápido. Coisa muito bem explorada no Silent Hill 1, ainda no PSX, lembra? Ou você acha que toda aquela névoa era mesmo só um detalhe intrigante do roteiro?

Pra quem dispõe de um Playstation 3, vem chegando este ano o aparentemente totalmente excelente Heavy Rain, sequencia espiritual de Indigo Prophecy. 
Eu quero jogar. E olha que eu sou chato com esse negócio de jogos novos, vocês sabem bem.

E… corta!

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